sábado, 5 de dezembro de 2009

Nothing is real



     Após o último show, em 1966, os Beatles tiraram merecidas férias. George, com Pattie a tira colo, partiu para Bombain para ter aulas de sitar com o mestre Ravi Shankar, virtuose no instrumento indiano. Paul penteou os cabelos para trás com vaselina e colou uma barbicha no queixo para poder realizar tranquilamente seu passeio de carro por uma rota turística francesa. O grande estresse com a beatlemania o fez querer ser alguém “normal” por algum tempo e daí surgiu o conceito de Sgt.Pepper’s, em que os Beatles são a Banda dos Corações Solitários do Sargento Pimenta e não eles mesmos. Ringo, solitário, decidiu acompanhar John pela Espanha onde este gravaria seu único filme não-beatle, How I Won The War. Foi lá, antes de conhecer Yoko, que o beatle rebelde compôs uma das mais maravilhosas músicas de todos os tempos.

      De volta das férias, os quatro cabeludos (agora todos usando bigodinhos iguais) se reuniram em Abbey Road para a gravação de mais um álbum de estúdio. Paul trouxe o conceito e John, a obra prima - que acabou ficando para depois. George Martin, o produtor, ao ouvi-la pela primeira vez, pensou o mesmo que eu: “Caralho, que música foda!” Na verdade, ele deve ter pensado mesmo que a música era absolutamente maravilhosa e dito, posteriormente, com toda aquela pompa inglesa, que tinha ficado apaixonado, enfeitiçado.

      Strawberry Fields Forever foi gravada em 1966, mas acabou sendo lançada um ano
depois como single duplo junto de Penny Lane (bonitinha, mas não tão incrível), composta por Paul (cuja grande contribuição para a música de John foi a introdução de mellotron, uma espécie de teclado). Algum sentimento de nostalgia devia estar muito presente naquela época, já que as duas tratam de lugares marcantes nas infâncias dos dois rapazes. No subúrbio de Londres, a um quarteirão da casa onde John morava, havia um abrigo do Exército da Salvação (um movimento internacional de caridade) e o terreno se chamava Strawberry Field (Campo de Morangos, apesar de ser incerta a existência destes por lá). Segundo sua tia Mimi, “havia algo naquele local que sempre fascinou John. Ele adorava ir à festa que acontecia todos os anos”, além de sempre pular os muros para brincar lá dentro.

      Bem ao seu estilo de compor, John brinca com as palavras, certamente influenciado pela dietilamida do ácido lisérgico, mais conhecida como L(ucy in the) S(ky with) D(iamonds) ou LSD mesmo, já que Lucy nada tinha a ver com tal substância. A letra não é tanto sobre o lugar físico como é sobre estados mentais. O trecho “Living is easy with eyes closed / misunterstanding all you see” (viver é fácil de olhos fechados / sem entender tudo que você vê), por exemplo, pode ser associado à influência de drogas ou ao pensamento de que morrer é preferível a continuar vivendo neste mundo. Suas composições traziam frequentemente temas muito pessoais e confessionais acerca de seus desejos e medos. Nos anos 80, declarou em uma entrevista que era muito tímido e se subestimava muito. “No one I think is in my tree” (Acho que ninguém está na minha árvore) significa que sua mente existiu num plano diferente das mentes das outras pessoas, segundo o próprio. “Eu poderia ser louco ou um gênio” (“I mean it must be high or low" – Quero dizer, posso estar lá no alto ou embaixo). Ou seja, a letra revela seu isolamento do mundo.


     Ele, porém, não ficou satisfeito com nenhuma versão gravada. Na verdade, havia gostado de apenas duas tomadas e juntá-las era algo praticamente impossível na época, já que não havia recursos suficientes para tal. Isso não era problema para o beatle rebelde, que deixou o pepino nas mãos de George Martin. Este recorda: "...quando ele me propôs a fusão, expliquei a dificuldade e ele me respondeu bem ao seu estilo: ‘Bem, George, sei que você pode dar um jeito nisso, não é?’ e virou-se indo em direção a saída do estúdio". O problema foi resolvido com alteração nas velocidades das duas tomadas e a diferença de tons passou a não existir. John ouviu o resultado e aprovou. A canção encerra com ele dizendo aquilo que mais queria fazer: “I buried Paul” (Eu enterrei Paul). Eu acho, er, não, quero dizer, er, sim, tá tudo errado. Ele disse mesmo foi “Cranberry sauce”.


Assista ao clipe com legendas

     Os Beatles inventaram o que hoje conhecemos como videoclipe. Cansados de excursionar pelo mundo para promover sua música, eles pensaram em uma alternativa bem simples e eficaz: gravar vídeos promocionais e mandar para o mundo todo. Assim, eles estariam em qualquer lugar a qualquer hora. O clipe de Strawberry Fields Forever é um dos melhores, em minha opinião. Existem vários elementos e momentos nos quais devemos prestar atenção, muitos deles engraçadinhos. Neste clipe, eles flertam com a reversão, técnica que haviam descoberto sem querer e utilizaram competentemente diversas vezes durante a carreira (Rain é um ótimo exemplo). E os momentos em que tal técnica é utilizada aqui são os melhores. Destaque para o 0:52, com Paul McCartney.

Leia a letra aqui.